o topless no RJ: medo do que não querem conhecer

Hoje aconteceu um protesto importante para as mulheres no Brasil: topless coletivo no Rio de Janeiro, cidade que recebe centenas de turistas nesse período do ano e que se chocaram com o ato. Não pelo seios, mas pela agressividade com que o ato foi recebido pelas pessoas em geral, escancarando mais uma vez o machismo e suas raízes tão fortes no país.

O evento foi marcado por agressões antes mesmo de seu acontecimento: marcado e divulgado através do facebook, a página do evento recebeu uma enxurrada de homens munidos de ataques misóginos, gordofóbicos, intimidação sexual… Em um dos debates, fui ameaçada de estupro e alguns dos agressores descobriram onde eu estudava na época. Fui chamada de todos os nomes machistas e gordofóbicos existentes (sim, eles me chamaram de gorda e derivados com a intenção de me ofender, o que não funcionou, e aí partiram pra outras tentativas de agressão). Um sintoma claro do quanto as pessoas atacam o que não conhecem, e pior, o que não QUEREM conhecer. Pessoas com medo. Medo da minha, sua, da nossa liberdade. O medo não é dos seios expostos, o medo é do controle sobre o nosso corpo saindo das mãos e mentes deles e voltando pra nossa, de onde nunca deveria ter saído. O NOSSO controle sobre NÓS mesmas. Em determinado momento, tirei print de boa parte do que houve e uma amiga também tirou. Denunciei todos os agressores ao facebook e os bloqueei. Até hoje aguardo um posicionamento do site sobre o que houve. Meu perfil é trancado e ainda assim descobriram onde estudava naquele período. E não fui agredida sozinha. Muitas mulheres ativas na página foram xingadas, humilhadas, ameaçadas… Nos ameaçavam de estupro encarando o crime como ”castigo” para quem ousa colocar os seios para fora dos sutiãs que em pleno século 21 ainda trazem ferros e técnicas para padronizar nosso corpo.

Durante o ato, muitos fotógrafos, homens, disputavam o melhor ângulo para que a matéria fosse bem sucedida. O melhor ângulo dos seios. Nunca vi alguém empurrar ou se amontoar nos colegas de profissão para fotografar um braço ou um pé de uma pessoa que não é famosa, mas ali, os seios eram o elo perdido entre o senso comum e a ousadia. Essa parte do corpo biologicamente programada para alimentar a cria foi tão sexualizada que os mamilos são condenados ao sufocamento eterno de roupas, lingeries e 4 paredes. Eu me importo que todas as pessoas ao redor achem que meus seios ofendem. Eu me importo que essas pessoas relativizem a exposição do corpo de acordo com o gênero, eu me importo por NÃO ACEITAR que a opinião delas me impeça de viver como escolhi. EU NÃO ACEITO que meus seios sejam mostrados quando VOCÊS decidirem. Eles estão comigo. Eles são parte de mim e não há ameaça, humilhação, ridicularização ou pressão moralista ridícula que irá me convencer do contrário. Não existe igreja, deus, família, marido, amigos ou anônimos com páginas fake na internet que me impedirão de VIVER.

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Medida Certa e a liberdade

Ontem, domingo, o Fantástico exibiu a nova temporada de seu quadro Medida Certa (o nome já é bastante preocupante), onde famosos são convidados (e pagos) para perderem peso. No elenco, as cantoras Gaby Amarantos, Preta Gil e o ator Fábio Porchat farão exercícios, dietas, tudo acompanhado pela câmera do programa.

Gaby e Preta são conhecidas por sua música e mensagem positiva sobre aceitação do próprio corpo. São símbolos de que o padrão de beleza imposto pode ser derrubado (e sim, elas são lindas). Entretanto, as redes sociais entraram em colapso: duas mulheres, fora do padrão de beleza e símbolos da aceitação do corpo, participando de um projeto de emagrecimento? Como pode? Pode. A liberdade de ser quem se é também se estende ao querer emagrecer. Poderia ser pelo dinheiro? Sim. Poderia ser pela saúde? (mesmo sabendo que saúde é bem relativa e que nem todo gordo vai mal de saúde, assim como nem todo magro vai bem). Sim. Poderia ser porque querem emagrecer? Sim. Partindo do princípio de que cada um faz com o corpo o que preferir, não temos o direito de julgar alguém que escolhe emagrecer.

Óbvio, combatemos diariamente o padrão de beleza e sabemos o mal que ele faz. Sabemos que milhares de mulheres sofrem por conta dele e que a aceitação do próprio corpo é importante. Porém, a liberdade é uma característica forte no feminismo em que eu acredito, e defender o direito ao corpo é defender a liberdade. Li alguns comentários e textos de pessoas dizendo que a mensagem que Preta e Gaby deixaram com isso é negativa. Que muitas mulheres se inspiravam na aceitação delas e que agora soa como hipocrisia. Não. Hipocrisia é defender a liberdade da mulher e julgá-la quando decide mudar. Hipocrisia é defender o direito ao corpo e apontar o dedo quando uma mulher toma uma decisão assim. Mesmo que a escolha delas fosse unicamente para o padrão de beleza: são anos de pressão social. São décadas de mensagens e influência do padrão. Como julgar alguém que tenta se encaixar? Como julgar quem se sente intimidada pelo padrão de beleza?

Gaby e Preta tomaram uma decisão e eu, enquanto feminista, me sinto na obrigação de defendê-las. De mostrar pra quem puder ver o quanto somos livres e o quanto podemos decidir sobre nossos corpos. São mulheres com escolhas, como todas nós. Defender a liberdade de todas as mulheres é também respeitar suas vontades.